Grande Prémio de Teatro Português 1999

A Última Batalha, de Fernando Augusto

As batalhas pelo teatro português nunca são últimas, de João Lourenço

Como elemento do júri e director do Novo Grupo, fiquei entusiasmado com a leitura de A Última Batalha de Fernando Augusto, porque li uma peça escrita em bom português, com uma teatralidade promissora e um tema muito interessante: a história dos últimos anos do Marquês de Pombal, figura sinistra, recuperada pelo Estado Novo, celebrada num dos sítios mais nobres da cidade de Lisboa com uma estátua de grande porte e tamanho, feita propositadamente para fazer esquecer todos o lado ditatorial e obscuro dessa figura. Quando ouvi falar, pela primeira vez, do Marquês de Pombal, foi nos anos cinquenta na escola, onde o ensino salazarista nos dizia que o Marquês era o mais ilustre estadista português, que governou o país com mão de ferro e esmagou todas as resistências e assim pôde fazer história e desenvolver Portugal. Eram os tempos áureos de Mocidade Portuguesa que, cantando e rindo, nos queria fazer acreditar que um homem superior a este só poderia ser Oliveira Salazar.

Mesmo o que de positivo o Marquês de Pombal possa ter feito, as medidas que tomou a favor da agricultura e do comércio, a reconstrução da cidade de Lisboa depois do terramoto de 1755, não apaga o lado negro da ditadura feroz que exerceu enquanto foi ministro do reino. Dizem que foi sua a frase “enterrem os mortos e cuidem dos vivos”, mas a verdade é que ele também sacrificou muitos dos vivos para enterrar esses mortos. A exaltação dos feitos do Marquês de Pombal traz-me sempre à memória as frases e perguntas de um poema de Brecht: Foi realmente o Marquês que reconstruiu a cidade? Não houve arquitectos? Não houve projectistas? Não houve sequer operários? Parece que não.

A peça A Última Batalha de Fernando Augusto centra-se nos últimos dias do Marquês de Pombal, apresentando-o em decadência física, social e moral, rodeado pelos seus fantasmas e pelo receio da morte iminente. Para encenar esta peça convidei o encenador Fernando Heitor, porque sabia que ele iria ler o texto de uma forma muito pessoal e criativa. E, de facto, isso aconteceu: do Marquês de Pombal de Fernando Augusto, Fernando Heitor criou dois Marqueses de Pombal, o que está a morrer e o que, em pensamento, ainda é novo, enérgico e cheio de poder.

Para mim é um motivo de prazer ter dois Fernandos (Augusto e Heitor) a trabalhar no Teatro Aberto e a travar connosco mais uma “batalha” a favor do teatro português, batalha essa que nunca será a última, porque o nosso projecto de teatro contemporâneo passa também pelo incentivo da dramaturgia portuguesa, como se verifica na criação do Grande Prémio de Teatro, promovido pelo Teatro Aberto e pela Sociedade Portuguesa de Autores, que em 1999 distinguiu A Última Batalha de Fernando Augusto.

Um trabalho artístico sério enriquece sempre quem nele participa. Quando se trata de uma peça portuguesa, esse trabalho proporciona uma reflexão mais directa sobre a nossa identidade cultural, um encontro com a nossa história e, assim, também um melhor conhecimento de nós próprios.

LOURENÇO, João “As batalhas pelo teatro português nunca são últimas” in A Última Batalha (Programa). Lisboa: Teatro Aberto, 2000.